terça-feira, 19 de junho de 2012

"Um Discurso ao Público" de Jacques Copeau

É também natural que o ator, às vezes, entreabrindo a cortina e retirando sua máscara, goste de dirigir-se a seu público para dizer-lhe: Eis-me aqui como eu sou, um ser humano como vocês. Não estou fora da sociedade. E nosso mundo do teatro, não pensem que seja unicamente esse império artificial cujo espetáculo lhes dá repouso das misérias do seu próprio mundo, esse lugar de festa perpétua, de bem-estar e de facilidade, no qual basta aportar para ser liberado das preocupações e por assim dizer descarregado do peso de nossa condição humana. Nossa vida é dura, implacável e devoradora. É verdade, por um milagre mais ou menos inexplicável, o jogo teatral às vezes liberta-nos de nós mesmos, faz desaparecerem por algum tempo nossas mais cruéis preocupações e até nossa enfermidades físicas. Mas é igualmente verdade que esse terrível jogo de nossa profissão seria o mais vil de todos se chegasse a deformar-nos, a desnaturar-nos de tal forma que o homem ordinário, o homem humano, o homem sincero, o homem do mundo ou o homem de um ofício possa dizer de nós, com desconfiança e com um certo desprezo: ah! é um ator! Libertar o ator de seu fingimento e arrancá-lo de sua especialização degradante, entregá-lo ao mundo, à vida, à cultura, à grande simplicidade humana, fazer dele um homem entre os homens, que seu público ao aplaudi-lo não deixe de estimá-lo e que seja amado ao ser admirado, elevar a profissão de ator - como o fez Molière em seu tempo e como o fez na Rússia o grande Stanislavski - do descrédito bem merecido pelos falsos artistas, recolocá-lo no mais nobre dos planos, dar enfim ao teatro sua dignidade de grande arte e, permitam-se acrescentar, sua missão religiosa que é a de religar entre si os homens de toda espécie, de toda classe, eu ia dizer - e devo dizê-lo aqui - de toda nação, eis o que vem sendo buscado no Vieux Colombier faz dez anos. Excerto de um "Discurso ao Público" de J. Copeau, Genebra, 1923.

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