sábado, 20 de agosto de 2011

Análise Crítica

Peça – “Outras Vozes”
Formandos 2011 – Artes Cênicas – UNIBAN
Baseado em Textos de Harold Pinter
Direção – Paco Abreu

Embora minha experiência com o Teatro do Absurdo seja muito mais teórica do que prática, esse tipo de encenação costuma me prender quando estou na condição de espectadora. Primeiro por que a filosofia do “sem significado”, do “ilógico” que esta linguagem proporciona sempre possibilita resultados cênicos surpreendentes.
Claro que, analisar um processo não é a mesma coisa que analisar um espetáculo pronto, se é que é possível uma peça como esta ser considerada pronta algum dia. O que a torna ainda mais instigante, já que aprecio esta busca constante do ator-criador.
Tecnicamente falando, achei que o elenco está na linha certa, embora haja muito a se trabalhar ainda. Senti insegurança por parte de alguns atores, nada que tenha prejudicado a interpretação, mas que a partir do que vi no ensaio aberto e das considerações feitas pelas pessoas presentes, acredito que tenha servido como um impulso esclarecedor no desenvolvimento destes.
Muitas coisas citadas nesta missiva devem ser consideradas subjetivas, posto ao processo pelo qual o elenco vem passando, portanto, considerem minhas colocações apenas como apontamentos sugestivos.
Não assisto a um espetáculo para procurar o que está bom ou ruim, por isso, reafirmo: “São apenas apontamentos sugestivos” baseados no pouco que sei, no que vi e senti. Espero que de alguma forma minha opinião como mera espectadora seja de alguma valia.
No elenco, conheço por nome apenas três atores, por isso antecipadamente peço desculpas aos demais por tratá-los através de referências das cenas ou das personagens.
Ao ator que faz o Prólogo e o Filho do Winter, gostaria de parabenizá-lo pela densidade encontrada na interpretação, apenas sugiro uma busca por uma leveza no andar e um pouco mais de nuances nas falas, pois pude perceber em muitos momentos que as falas eram ritmadas e isso pode causar desinteresse no público pelo que está sendo dito, procure ganhar entonações que faça com que a platéia o procure mesmo na penumbra, como se suas falas estivessem grifadas. Quanto à leveza no andar, explico: Esse tipo de encenação costuma ter um ritmo cadenciado e, a não ser que faça parte da proposta, o barulho da movimentação de palco pode tirar o foco de qualquer outra ação dramática.
Não me refiro a andar nas pontas dos pés, mas sim, leveza. O que, em nada deve mudar o ritmo que se movimenta. Verifiquei rapidamente o palco e, embora ele seja oco é possível sua movimentação com mais leveza.
Um destaque todo especial para um jogo de palavras onde uma fala desse mesmo ator me deixou atônita por alguns segundos: “Eu ouço sussurros no meu ouvido surdo!”. Confesso que se houvesse uma pausa dramática nesse momento eu seria a primeira a puxar o aplauso. O ator estava bem posicionado, a fala não foi jogada para a platéia, nem tão pouco fora do ritmo do jogo de palavras. Vale lembrar que esse tipo de jogo faz parte da proposta da linguagem. Explorem mais os jogos dispostos no texto. Parabéns a todos por esse momento esplendoroso. Busquem a mesma cadência nos outros jogos de palavras.
Sei que o gestual contido também é característica desse tipo de montagem, mas fico pensando até onde trabalhar os desatinos, a ironia humana e até mesmo divina, deve obedecer essa característica? Acredito que estão no caminho certo com algumas quebras, mas ainda é pouco para revelar o inusitado, outro elemento do Teatro do Absurdo.
Quanto ao Daniel, ator que faz o Sr. Winter, sua presença de palco é marcante e, embora a personagem esteja presa a uma marcação limitada, sua contemplação de forma constante me remetia ao passado por várias vezes e assim, mais uma vez o elenco atingiu a proposta de encenação, onde não há um compromisso com a ordem cronológica dos fatos. Ouso até em dizer que é o ponto de conexão mais interessante de toda a peça. Talvez o elenco deva partir daí para uma evolução ainda maior das personagens. Ignorar aquela presença tão inquietante é bobagem. Não me refiro a contracenar com o ator, mas sim, a não ignorar aquela personagem que pode estar ali para perturbar ainda mais, confundir ainda mais aquelas demais personagens que já foram criadas para serem perdidas. Acho até que o Sr. Winter deveria incomodar não somente as outras personagens, mas também o público. Comigo esta comunicação chegou, mas pessoas que estavam na platéia ao meu lado comentaram que teve momentos que nem lembrou do “homem sentado”. Se o espectador tiver um momento que seja de inquietude, o elenco terá seu verdadeiro momento de glória nessa montagem.
Quero partir agora para algo mais técnico: o trabalho de voz de alguns atores. O rapaz que fez o cozinheiro na cena da entrevista de emprego, possui uma voz ótima, talvez a melhor de todo o elenco. A Paula, deve trabalhar um pouco mais o volume de sua voz, não me refiro a intensidade das falas e sim, ao volume da voz. A personagem é linda, intensa, poética, dramática e ao mesmo tempo graciosa (talvez uma graciosidade que venha da própria atriz), mas, nos momentos em que as falas tinham que sair embargadas, como se houvesse um nó na garganta, não se ouvia direito o que era dito, embora eu estivesse presa àquela situação junto com ela, deu-me a sensação de que ela, a personagem, pedia colo ou um abraço do público e para isso, nada precisa ser dito, basta ser sentido. No entanto, a crítica é severa em sua maioria, então, é melhor manter essa densidade interpretativa, mas aumentar o volume da voz quando necessário, pois nem todo mundo assiste a um espetáculo como esse com o coração aberto à sensibilidade.
Outra atriz que também precisa tomar cuidado com a voz é a Laila, a interpretação está muito boa, embora seja possível viajar ainda mais, alçar vôo com o seu aviãozinho, mas a voz... pude observar momentos de falha, é uma das poucas que tem bastante movimentação em cena, então, cuidado para onde projeta sua voz. Dar um texto de costas, no meio da platéia, nos fundos do teatro, no corredor, etc. São propostas em que o ator necessita ter precisão, a voz tem que bater e voltar. Se você tem um giro enquanto fala, sua voz tem que sair como ondas e atingir a todos. Quanto à personagem, é ótima é quem mais se comunica, é, talvez, a mais humana. Sua insanidade deve refletir a “falsa sanidade” dos que estão sentados para vê-la, diga a eles, os espectadores, que todos somos um e que, portanto, somos todos loucos e que o melhor da loucura é não ter medo de dizer as verdades e rir das tragédias e chorar do cômico. Em relação a todos do elenco, tomem os exemplos citados para si, volume, intensidade e projeção. Não preciso falar de articulação, pois acredito já terem ouvido isso muito e suas carreiras acadêmicas. Estão ótimos!
Quanto aos signos, aí estarei falando especificamente da encenação, dois momentos que me intrigaram. O primeiro foi a marcação do cigarro que achei exagerada, a menos que fosse um signo do qual eu não entendi. O segundo foi a caixinha de música, este eu entendi, porém se tornou um signo “explicadinho” quando um dos atores falou do barulho da infância. O signo deve ser uma resolução cênica que fale por si só, os atores devem saber o que significa e o público deve identificar. Se esse jogo não acontece, não faz sentido usá-lo. Volto ao cigarro, pois cheguei a pensar que seria um significado de compulsão, depois pensei que a fumaça poderia remeter a poluição da mente humana, depois pensei que poderia ser apenas uma forma de puxar o foco para a ação seguinte. Mas, a principal sensação que tive, foi: “Isso não significa nada, foi apenas um equívoco cênico!”. Ao assistir, certa vez, uma palestra do ator Paulo Autran ele disse: “Tudo que é posto em cena deve haver um significado”. Então, se há um verdadeiro motivo para aquele número de cigarros acesos, encontrem-no para poder transmitir a mensagem ou pelo menos acentuem as ações para que o espectador possa absorver a informação e se não há sentido algum, o melhor é cortar, assim evita que o espectador fique buscando um significado em vão. A não ser que a intenção seja de fazer com que o público fique procurando sentido nas ações dos atores, o que, não seria honesto. Uma coisa é provocar o espectador, instigá-lo a refletir, outra coisa é colocar algo em cena sem você mesmo saber do que se trata esperando que o público lhe diga. O que em nada tem haver com o sentido “ilógico” da técnica escolhida para esta encenação.
Agora, sem falso puritanismo, quero falar das cenas de sexo. A turma está preparada para enfrentar qualquer desafio que a carreira exige. Isso eu pude ver. Não sei se a instituição de ensino é que não está, se o texto tem uma pré-direção ou sei lá quais eram as intenções do encenador com aquele monte de “pegações”. Pensei que poderia ser de propósito para fazer com que o elenco amadureça no sentido de que tudo poderá acontecer daqui para frente, afinal, serão profissionais e terão que encarar o que vier. Pensei que poderia ser apenas um meio do encenador provar para alguém, para si mesmo ou até para a instituição que ele é capaz de ousar... sei lá, poderia ser tanta coisa! Mas a verdade é que faltou um tato em cada cena, faltou um zelo. Nem sempre o sexo deve ser animalesco para ser frustrante e até mesmo chocante. O teatro possui tantos recursos para diferenciar uma cena da outra. Pesquisem os “porquês” de cada uma dessas cenas e encontrem meios mais eficazes de tocar o público com cada uma delas, assim vocês passam longe da repulsa do espectador.
Da overdose de gemidos e sussurros, quero destacar duas cenas. A primeira é a cena da entrevista de emprego, a cena condiz com a linguagem, onde o sexo antecede a entrevista, portanto, entra naquele ciclo de ações que é característica do Teatro do Absurdo e vocês podem inclusive fazer giros mais audaciosos. A segunda é a que chamarei de “Cena do Seio”, é uma cena interessante, está no contexto, mas se fosse camuflada seria mais poética. Sei que não estão trabalhando Teatro Épico, mas o que é o Absurdo se não uma evolução constante do Épico, do Grotesco, do Visceral, do Textocentrista, do Físico, do Efeito, etc. Independente da ordem de surgimento de qualquer um destes e de outros até mesmo contemporâneos, sempre que se trabalha com esta linguagem o segredo está na busca pela evolução constante, não é somente dominar a técnica. Busquem pontes de conexão e desconectem, pode ser um bom exercício.
Destaque para a cena da “cenoura”, muito boa, somente a movimentação atrás das cadeiras me incomodou, este é um ponto do espetáculo que talvez vocês consigam alguma comicidade, o que seria um grande ganho, pois quem disse que esse tipo de montagem deve ser sempre em clima tenso? Acho até que isto foi comentado no dia, mas vale reforçar.
Outro destaque todo especial para a cena final do avião, é muito interessante, diz muito. Trabalhem nisso! Em todos os sentidos, iluminação, sonoplastia, foco dos atores e inclusive o próprio adereço.
Finalizo com uma fala do espetáculo e antecipadamente agradeço a todo o elenco pela oportunidade de ver atores tão jovens fazendo algo com tamanha qualidade e por poder opinar. Espero não ser incompreendida em momento algum. Lembrem-se: “Apontamentos Sugestivos”. Me coloco a disposição para sanar quaisquer dúvidas.
“EU TENHO TANTO PARA DIZER, MAS O QUE TENHO PARA DIZER, JAMAIS SERÁ DITO!”

Parabéns a todo o Elenco!

Abraços,
Naelba Aphonso


Sugestão de Estudo: “Teatro Pânico” – é uma vertente do Teatro do Absurdo só que mantém o estilo de diálogo do Teatro Ocidental.


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